Grupos Escolares construídos ao abrigo do Plano dos Centenários em Lisboa — 1944-1961

Cidade de Lisboa
 

O presente inventário temático surge no decurso do trabalho habitual de atualização dos registos de inventário do património arquitetónico existentes na base de dados do SIPA, nomeadamente nos imóveis construídos na tipologia “educativo” (entenda-se, edifícios construídos para o ensino) no concelho de Lisboa. Nesse âmbito, verificou-se a existência de imóveis com características perfeitamente enquadráveis nos cânones do Movimento Moderno, edificados pela autarquia lisboeta ao abrigo do programa de subsídios estatais atribuídos pelo Ministério das Obras Públicas para a construção de uma rede escolar, comummente conhecido por Plano dos Centenários. Coexistem assim, na cidade de Lisboa, erguidos numa mesma época e ao abrigo do mesmo programa construtivo, dois “géneros” de edifícios, com feições externas bastante diversas (por vezes mesmo na sua adaptação ao terreno), consoante resultem de promoção estatal ou camarária, embora sempre assentes numa mesma planta funcional.

Neste inventário ocupar-nos-emos apenas dos imóveis de promoção autárquica, por serem aqueles que mais se distanciam das características habituais traçadas para o Plano. Para a sua elaboração foi, assim, fundamental a consulta das peças documentais existentes no Arquivo Municipal de Lisboa[1] (que incluem fotografias da construção e da inauguração destes grupos escolares), assim como a leitura cuidada dos Anais do Município de Lisboa[2] e de alguns números da Revista Municipal, para além, claro, de outra bibliografia[3] nacional existente sobre o assunto. A pesquisa documental foi complementada por visitas de reconhecimento e levantamentos fotográficos aos imóveis objeto do presente estudo[4].



[1] Cuja base de dados de descrição documental, e alguns documentos, estão disponíveis on-line.

[2] Consultáveis a partir da Hemeroteca Digital da Câmara Municipal de Lisboa, também on-line.

[3] Cuja lista se anexa.

[4] Não foram visitadas/fotografadas as escolas básicas Querubim Lapa (Campolide) e Professor Agostinho da Silva (Vale Fundão/Poço do Bispo), por se encontrarem em obras aquando da elaboração deste inventário.

 
 

Descrição

Plano dos Centenários (1944-1965)

A 17 de dezembro de 1940 é promulgada a Lei n.º 1985, integrada no Orçamento Geral do Estado para 1941, que, no seu artigo 7.º, prevê a execução de um plano geral da rede escolar, que denomina como sendo dos "Centenários" (muito embora as comemorações oficiais do Duplo Centenário da Fundação e da Restauração de Portugal tivessem encerrado oficialmente a 3 de dezembro desse mesmo ano).

Antecedentes

A inexistência de construções adequadas a uma boa prática do ensino era já uma situação antiga, que desde meados do século XIX conhece tentativas várias de solução, sem que no entanto nenhuma consiga dotar o país de uma rede nacional de escolas públicas.

Será, a partir de 1932, após a criação do Ministério das Obras Públicas e Comunicações e da tomada de posse de Duarte Pacheco (1900-1943) como ministro, que, num processo de reorganização da atuação do ministério com o objetivo de dotar o país das obras públicas de que este carecia, a Repartição de Construções Escolares é englobada na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN)[1], passando esta a ser a instituição responsável pelo desenvolvimento de projetos-tipo a aplicar à construção de escolas primárias, como forma de desenvolver a sua construção em série. Neste mesmo ano, a DGEMN dispõe, na Direção dos Edifício Nacionais do Sul, de uma secção de arquitetura apta para desenvolver estes projetos, a qual será chefiada pelo arquiteto Guilherme Rebelo de Andrade (1881 - 1969), que, em 1933, publica o Ante-projeto do Plano Geral de Tipos-Regionais de Escolas Primárias Oficiais a Construir[2], no qual se estabelecem os princípios a que as novas edificações devem obedecer, e que, grosso modo,incidem na regionalização da aplicação de matérias-primas e técnicas construtivas, aliando-as aos mais recentes processos de construção, ao cuidado estudo do aproveitamento solar e demais características locais, sendo os projetos assentes na repetição de uma mesma planta funcional, adaptada ao número de salas pretendido.

A execução destes projetos é encomendada aos ateliês particulares de dois arquitetos da DGEMN, Rogério de Azevedo (1898-1983) e Raul Lino (1879-1974), como forma de conseguir garantir a execução de um elevado número de encomendas. O primeiro ficou incumbido de realizar os projetos para o Norte e o Centro, encontrando-se os projetos para a Estremadura e Sul, a cargo do segundo. São elaborados, ao todo, quarenta e dois projetos-tipo, correspondentes a edifícios de uma a quatro salas. No entanto, estima-se que apenas se tenham concretizado ao todo oitenta e oito edifícios[3].

Entretanto, a 18 de janeiro de 1935, Carneiro Pacheco (1887-1957) é nomeado ministro da Educação Nacional, dando início a uma profícua produção legislativa que viria a constituir as bases de todo o sistema educativo do Estado Novo[4]. A publicação da reforma deste ministro conduz à suspensão temporária dos projetos de construção de escolas, e à sua revisão à luz dos novos critérios enunciados na carta escolar elaborada em 1933-1935, nomeadamente a necessária divisão dos sexos, que pressupõe a existência de duas secções escolares plenamente diferenciadas. Apenas se edificaram as que se inseriam nos planos mais globais dos Bairros de Casas Económicas[5], e algumas consideradas projetos especiais.

O Plano dos Centenários

É neste contexto que, como vimos, surge o Plano dos Centenários, previsto na Lei Geral do Orçamento do Estado para 1941. Consequentemente, a 29 de julho de 1941, é publicado um Despacho do presidente do Conselho de Ministros (DG n.º 174), António de Oliveira Salazar (1889-1970), datado de 15 desse mês, no qual, após uma breve síntese sobre o estado da construção escolar, são indicados os principais critérios a ter em conta na redefinição do plano: a separação de sexos, o número de crianças por sala, o número máximo de salas por edifício, a área de influência e a distância máxima que uma criança pode percorrer para frequentar a escola. No mesmo despacho é aconselhado o retomar dos projetos-tipo regionais, criados entre 1933-1935, agora revistos à luz dos novos critérios e de uma necessária contenção de custos, o que conduz a uma simplificação formal dos mesmos[6]; é indicada a comissão a trabalhar no desenvolvimento da rede escolar[7]; são definidos, igualmente, os mapas com a previsão das escolas a construir (12500 salas de aula), a estimativa das despesas e a respetiva distribuição das verbas (500 mil contos a ser gastos em repartição equitativa entre o poder central e as autarquias)[8] para um programa a 10 anos (sendo o reembolso das verbas por parte das autarquias estendido a 15 anos).

Em outubro, por indicação do ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, o diretor-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais emite uma ordem de serviço de carácter “urgente” para cada uma das quatro Direções Regionais de Edifícios (Norte, Centro, Lisboa e Sul) com instruções para que estas remetam aos serviços centrais uma proposta para a localização de um grupo de cinquenta escolas consideradas prioritárias (com oitenta e quatro salas de aula), permitindo, assim, que se inicie o quanto antes a edificação de duzentos edifícios escolares. As propostas são enviadas à Comissão de Revisão da Rede Escolar, que as examina e procede às alterações necessárias.

A 5 de abril de 1943 são publicados no Diário do Governo os mapas definitivos com a indicação do número de salas de aula a construir por distrito, concelho e freguesia (DG, 2.ª série). Paralelamente, as repartições técnicas da DGEMN procedem ao envio de um questionário às câmaras municipais com o objetivo de avaliar as condições locais para o lançamento dos programas anuais de construção (nomeadamente no que concerne a terrenos disponíveis, a acessos, a transportes, aos materiais de construção usados na região, à qualidade e aos preços da construção civil, e à disponibilidade de mão-de-obra local). Em agosto desse ano é criada, no seio da DGEMN, a Delegação para as Obras das Construções Escolares, que se encontra em funcionamento em outubro[9], dando início, em 1944, à Fase I do Plano dos Centenários, contemplando apenas os concelhos cujas câmaras tenham respondido ao inquérito (cerca de um terço). Nesta primeira fase estão incluídos 561 edifícios com 1250 salas de aula, distribuídos por todos os distritos do país, incluindo as ilhas. Até 1969, altura em que a a Delegação para as Obras de Construção de Escolas Primárias cessa funções, o Plano é continuado em fases sucessivas.

Os projetos

Tendo por base uma mesma planta, de características eminentemente funcionais, os projetos para as escolas primárias do Plano dos Centenários obedecem a dois tipos, assentes, ora num edifício único, se destinados a um só sexo, ora em dois geminados (designados por “edifícios gémeos”), com total separação de espaços, se destinados aos dois sexos. São previstas soluções para uma, duas, três e quatro salas de aula, para um sexo, e para duas, seis e oito salas de aula para os dois sexos. A unidade base do projeto é sempre a sala de aula, pensada para uma capacidade máxima de quarenta crianças, apresentando-se com 8 x 6 metros e 3,5 metros de pé-direito, servida por grandes janelas de iluminação unilateral. O acesso ao interior é efetuado, preferencialmente, a partir dos extremos, servido por um amplo átrio de distribuição, a partir do qual se desenvolvem corredores, escadas e acesso ao recreio. Junto ao átrio situam-se as instalações para docentes e gabinetes de apoio (se os houver) e sanitários/vestiários. As salas de aula distribuem-se ao longo do corredor, também este de iluminação unilateral, normalmente efetuada por pequenas janelas basculantes junto ao teto. A fachada principal dos corpos letivos é voltada preferencialmente a sul, sudoeste, sendo esta a orientação privilegiada para as salas de aulas e alpendre (recreio coberto), como forma de otimizar a luz solar, e resguardar dos ventos mais frios. Pelas mesmas razões, o recreio figura na frente das salas de aula. Para norte ficam orientados os espaços de circulação. No centro, junto aos edifícios geminados, ou apenas junto ao edifício escolar (no caso de escola para um só sexo), encontra-se a cantina/refeitório (pensada para 120 crianças) servida por copa. Os recreios cobertos (alpendres) têm como áreas mínimas 160 m2 e os recreios ao ar livre cerca de 2000 m2 para cada secção.

Exteriormente, as fachadas dos edifícios caracterizam-se pelo gosto historicista, o designado estilo “Português Suave”[10], que representa tanta da produção arquitetónica dos anos de 1940 em Portugal. Apresentam assim, telhados a duas, três e quatro águas, de telha vermelha, com beiral, arcadas a servirem amplos alpendres cobertos, pequenos torreões de evocação medievalista, com coruchéus (piramidais ou cónicos) rematados por esferas armilares (símbolo do império) ou cata-ventos — mais presente nas aldeias — a ladear as entradas, sendo estas precedidas por alpendre. Socos de cantaria percorrem as fachadas, em que as janelas são retilíneas, emolduradas a alvenaria simples de pedra. As fachadas principais são assinaladas por pedras de armas, normalmente o único elemento decorativo.

Em suma, pode dizer-se que a um projeto de caraterísticas profundamente modernas pela sua funcionalidade interna, o Plano dos Centenários alia um gosto profundamente tradicionalista na sua aparência externa.

O Plano dos Centenários em Lisboa

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é uma das autarquias a responder ao inquérito enviado pelas repartições da DGEMN e, em 1944, inicia um programa de construção de edifícios destinados a escolas primárias, que se estenderia até 1961, conhecendo quatro fases sucessivas.

Lisboa vive desde finais do século XIX as consequências do êxodo rural, encontrando-se em franca expansão demográfica, o que faz com que o seu parque escolar não consiga responder às solicitações da crescente população. Para além disso, muitas das antigas escolas encontram-se a funcionar em locais inadequados para o ensino. Por estes motivos é uma opção clara do município a construção de grupos escolares com dezasseis salas, destinados a ambos os sexos (oito salas em cada secção), desenvolvidos em “edifícios gémeos”.

Por outro lado, a cidade, a capital do império, que em 1940 havia recebido a Exposição do Mundo Português, encontrava-se em franca reorganização. Em 1938, o então edil lisboeta, Duarte Pacheco, contratara o urbanista Étienne de Gröer (1882- ?), que, juntamente com os serviços técnicos municipais, cuja repartição de Engenharia era chefiada pelo engenheiro António Emídio Abrantes (1888-1970), definira as grandes linhas de desenvolvimento para a cidade, traçando o Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL), que estaria concluído e aprovado pela autarquia em 1948. Ao abrigo do referido plano e contando para o efeito com legislação apropriada, são expropriados terrenos e criadas áreas de expansão urbana.

As novas escolas primárias, imagem de organização e harmonia num Portugal restaurado, surgem assim, sempre que possível, construídas no centro destas novas áreas urbanizadas, constituindo com estas uma unidade de vizinhança.

1.ª Fase — 1944-1950

Numa primeira fase do Plano são construídos pela autarquia lisboeta cinco novos grupos escolares, segundo o gosto tradicionalista que caracteriza a produção arquitetónica coeva. Em todos eles persiste uma mesma planta funcional, a qual constitui uma característica que se manterá durante toda a vigência do Plano.

Os três primeiros — grupos escolares do Alto de Santo Amaro, da Rua Ator Vale e da Praça do Ultramar/atual Praça das Novas Nações — são da responsabilidade da mesma equipa chefiada pelo arquiteto Alberto Aires Braga de Sousa (1909-?) e pelo engenheiro Vasco Bon de Sousa Marques Leite (1915-?). Qualquer um dos três resulta da adaptação do projeto às condicionantes do terreno, inserindo-se todos em unidades de vizinhança preexistentes, o que é particularmente condicionador no último exemplo mencionado, que acabou mesmo por ficar com apenas doze salas de aula (seis para cada secção).

Os dois últimos projetos desta primeira fase são edificados em Alvalade: grupos escolares das células 1, com projeto da autoria do arquiteto Inácio Peres Fernandes (1910-1989) e 2, com traço de Luís Américo Xavier (1917-1996). Concebido no âmbito do PGUEL, o Plano de Urbanização do Sítio de Alvalade (v. IPA.00030357), inicialmente designado por Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro (atual Avenida do Brasil), foi elaborado, entre 1945 e 1948, por João Guilherme Faria da Costa (1906 - 1971). Com uma área de 230 ha., Alvalade foi concebido como sendo parte integrante da cidade, distribui-se por oito unidades de habitação (células), destinadas a alojar diversas categorias sociais, dotando-as de uma série de equipamentos de apoio. O núcleo da célula é formado pela escola primária, que aqui encontra as condições ideais para a sua edificação, nomeadamente em termos de localização/acessos (efetuados essencialmente por veredas de circulação pedonal), como de espaço disponível. Para além dos estabelecimentos de ensino primário, o plano de Alvalade considerava, ainda, desde o seu início, a existência de uma série de outros equipamentos coletivos (liceus, mercado, centros cívicos, parque desportivo, etc.)[11].

2.ª Fase — 1953-1956

É justamente a segunda fase de implementação do Plano dos Centenários em Lisboa aquela que, para o presente inventário, mais nos interessa. Enquanto no resto do país, e mesmo na capital para aqueles que resultavam da promoção estatal, continuavam a edificar-se edifícios escolares semelhantes aos da primeira fase lisboeta, segundo a chamada “arquitetura do Regime”[12], nos grupos escolares promovidos pela autarquia processa-se uma decisiva viragem para a arquitetura moderna. Sem resquícios de monumentalidade, regionalismo ou historicismo, as novas propostas arquitetónicas, encomendadas diretamente pela autarquia a arquitetos independentes, consideram o projeto de uma forma global, abrangendo todos os detalhes do interior e do exterior da escola, revelando uma visão humanizada e funcional do edifício, utilizando um reportório atualizado e adaptado ao universo infantil.

Para esta alteração terá contribuído a relativa abertura sentida em alguns sectores da sociedade após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Logo em 1948 realiza-se, em Lisboa, o I Congresso Nacional de Arquitetura, organizado pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos, e que apesar do patrocínio estatal e de ter ocorrido em simultâneo com a exposição Quinze Anos de Obras Públicas (realizada no Instituto Superior Técnico), não esteve sujeito a censura prévia, pelo que as comunicações apresentadas no encontro podem já mostrar uma clara demarcação da arquitetura que se vinha fazendo e uma reivindicação das ideias da Carta de Atenas, nomeadamente na criação de uma arquitetura mais depurada e funcional. Mais tarde, em 1953, ocorre, também em Lisboa, o Congresso da UIA — União Internacional dos Arquitetos, que constitui uma verdadeira lufada de cosmopolitismo no panorama português, trazendo a debate o que de novo se faz na Europa e na América, e permitindo aos novos arquitetos portugueses manifestarem o seu repúdio por uma arquitetura monumental e historicista, e uma nova filiação numa arquitetura mais racional, produzida à escala humana. Neste mesmo ano, em outubro, setenta e dois artistas e arquitetos assinam uma petição endereçada ao edil lisboeta, Álvaro Salvação Barreto (1890-1975), pugnando pelo estabelecimento de um procedimento regular de encomenda de obras de arte para os projetos municipais, ou de promoção municipal de arquitetura, propondo mesmo que uma percentagem dos custos imputados ao projeto seja direcionada para a arte aplicada à arquitetura (AML, processo n.º 5446/954). No ano seguinte, a 20 de março, por despacho do presidente da CML, o pedido será deferido mediante algumas condições, a saber: controlo camarário sobre as encomendas a dirigir aos artistas; encomendas de projeto de arquitetura e de motivos artísticos a serem feitas em momentos separados; criação da Comissão Municipal de Arte e Arqueologia, entidade que ficará responsável pelo licenciamento das obras de arte a aplicar à arquitetura. É, então criada a comissão, sendo chefiada pelo arquiteto Raul Lino, que define os princípios a que devem obedecer os motivos artísticos a incluir nos grupos escolares, e que se podem resumir: ao "amor compreensivo pela natureza", ao ensino do processo de transformação dos produtos tradicionais (como sejam o vinho, o pão ou o azeite), ao culto pelo trabalho, pelo artesanato, e ao regionalismo, dando privilégio à arte figurativa sobre o abstracionismo apenas aceite na decoração de alguns espaços internos como nas paredes de refeitórios. Não obstante, a arte aplicada aos grupos escolares versou, essencialmente, o universo lúdico infantil. Por último, fundamental para esta segunda fase (e para as seguintes) do Plano dos Centenários em Lisboa, é a publicação do Decreto-Lei n.º 39.982, de 21 de dezembro de 1954, que abre às câmaras municipais a contratação direta a arquitetos externos de projetos para os edifícios escolares, sendo considerados Projetos Especiais.

Em julho de 1953, o engenheiro adjunto do diretor de Serviços de Urbanização da CML, Alexandre de Vasconcelos e Sá dá conhecimento, por ofício, ao engenheiro delegado para as Obras de Construção das Escolas Primárias da intenção da autarquia em prosseguir com as obras de construção, remodelação e ampliação de edifícios destinados ao ensino primário na cidade de Lisboa, para o que anexa dados relativos a onze novos grupos escolares[13]. Neste mesmo ano, e no contexto acima descrito, inicia-se a segunda fase das obras do Plano dos Centenários em Lisboa, para a qual o MOP concede um subsídio de 85.000$00 por sala de aula (a ser reembolsado em 50% em vinte anuidades pelas autarquias) com a contrapartida de as obras se iniciarem no período de um ano.

Foram, assim, construídos ao abrigo desta segunda fase — todos com dezasseis salas de aula (exceção feita para o da Calçada da Cruz da Pedra, inserido em malha urbana preexistente, num terreno exíguo e acidentado, apenas com doze salas de aula), os seguintes grupos escolares encomendados a arquitetos externos à autarquia e contando com colaborações de inúmeros artistas plásticos que, em trabalho direto com o arquiteto, produziram para o próprio local:

— Célula 7 de Alvalade, com projeto de Ruy Jervis de Athouguia (1917-2016) e contributos artísticos de Stela Albuquerque, representa um dos mais expressivos projetos desta fase do programa;

— Calçada da Cruz da Pedra, com projeto de Luís Américo Xavier;

— Bairro Social do Arco do Cego, com projeto de Dário Silva Vieira e contributo artístico de Joaquim Correia (1920-2013);

— Célula 4 de Alvalade, com projeto de Manuel Coutinho Raposo (1916-1999) e contributos artísticos de Stela Albuquerque;

— Célula 6 de Alvalade, com projeto de Cândido Palma de Melo (1922-2002) e contributos artísticos de Maria Keil (1914-2012) e Martins Barata (1910-1999);

— Areeiro, com projeto de Fernando Silva (1914-1983) e contributos artísticos de Júlio Santos e Maurício Meireles Penha (1913-1996);

— Picheleira, com projeto de Nuno Morais Beirão (1924-?) e contributos artísticos de Maria de Lurdes Coimbra de Freitas e Maria Teresa Quirino da Fonseca;

— Vale Escuro, com projeto de Victor Palla (1922-2006) e Joaquim Bento de Almeida (1946-1973) e contributos artísticos (desaparecidos) de Júlio Pomar (1926- ), José Lima de Freitas (1927-2008), Maria Barreira (1914-2010) e Rolando Sá Nogueira (1921-2002);

— Bairro Santos, com projeto de Luís Soares Branco (1919-1997) e contributos artísticos de Arnaldo Louro de Almeida (1926-2008);

— Campolide, com projeto de Artur Pires Martins (1914-2000) e contributos artísticos de Querubim Lapa (1925-2016) e José Dias Coelho (1923-1961);

— Alto dos Moinhos, com projeto de Manuel Arroyo Barreira e contributos artísticos de João Abel Manta (1928- ), José Farinha (1912-1979) e Rogério Ribeiro (1930-2008).

Ao abrigo desta segunda fase foram ainda construídas duas secções em edifícios preexistentes, dotando-os assim do número de salas de aula necessário ao seu funcionamento:

— Calçada da Tapada, com projeto de Alberto Braga de Sousa e contributo artístico de Inácio Vitorino Perdigão;

— Rua da Bela Vista à Lapa, também com projeto de Alberto Braga de Sousa e contributo artístico de Cândido da Costa Pinto (1911-1976).

3.ª Fase — 1957-1958

Entre 1955 e 1957 encontram-se concluídos, ou em fase de conclusão, os grupos escolares referentes à segunda fase do Plano dos Centenários em Lisboa. Com estes a autarquia lisboeta ganhou 188 novas salas de aula, distribuídas por treze grupos escolares construídos de raiz ou resultado de ampliações. Sucedem-se, então, as terceira e quarta fases do Plano sem, no entanto, trazerem grandes alterações ao que fora executado na segunda fase. Os grupos escolares, que continuam a ser encomendados ao abrigo dos Projetos Especiais a arquitetos externos à autarquia, continuam a apresentar um reportório arquitetónico plenamente atualizado e, dando continuidade ao despacho de 1954, sempre que possível, acompanhados de obras de arte concebidas para o projeto. São introduzidas, contudo, algumas novidades nestas terceira e quarta fases: o aumento das dimensões da sala de aula, desde que o espaço disponível assim o permita — passando a ter 7 x 9, ou 7 x 8,5 metros — como forma de poder abandonar as tradicionais carteiras e substituí-las por mesas individuais, então consideradas mais aconselháveis pedagogicamente; a inclusão de novos espaços nos edifícios escolares, como uma secretaria de zona pedagógica e um gabinete médico; a construção, desde que o espaço disponível e as condições urbanas o permitam, de um edifício de interesse local junto ao grupo escolar, dotado de salão de festas e de ginásio, aberto à comunidade.

Foram construídos ao abrigo da terceira fase três grupos escolares, sendo que apenas nos dois últimos é possível reconhecer as alterações anteriormente descritas (novas dimensões nas salas de aula, novos espaços considerados e projetado o edifício de interesse local), a saber:

— Praça de Goa, com projeto de Carlos Rebelo de Andrade (1887-1971) e contributo artístico de Jorge Barradas (1894-1971);

— Célula 8 de Alvalade, com projeto de Ruy Jervis de Athouguia e contributo artístico previsto de Menez (1926-1995), chumbado na CMAA;

— Poço do Bispo/Vale Fundão, com projeto de Luís Américo Xavier e contributos artísticos do seu pai, Raul Xavier (1894-1964) e de Gabriela Veloso.

4.ª Fase — 1958 – 1961

Os projetos incluídos na quarta fase apresentam-se como uma decorrência direta dos da fase anterior, praticamente coexistindo no tempo. Têm, todavia, um enquadramento diferente, esta fase arranca com o início da Guerra Colonial (1961–1974) e a consequente diminuição das verbas disponíveis para apoio ao programa. Assim, e muito provavelmente por este motivo, assistimos a um corte quase total na arte aplicada à arquitetura (apenas o Grupo Escolar do Bairro de Santa Cruz de Benfica é contemplado; esteve prevista também a inclusão de um motivo artístico de António Alfredo no Grupo Escolar dos Olivais, mas não deverá ter sido executado).

Foram assim edificados na derradeira fase do Plano dos Centenários em Lisboa quatro grupos escolares (três com dezasseis salas e um, o Grupo Escolar do Bairro das Furnas, por exiguidade do terreno, com doze):

— Olivais [Norte], com projeto de Victor Palla e Joaquim Bento de Almeida;

— Bairro das Furnas, com projeto de Pedro Quirino da Fonseca, apesar de ter apenas doze salas, contempla o edifício de interesse local;

— Bairro da Madre de Deus, com projeto de Luís Benavente (1902-1993), autor do projeto do bairro em que se insere;

— Bairro de Santa Cruz de Benfica, com projeto de João Vaz Martins (1910-1988) e contributos artísticos de Hélder Baptista (1932-2015).

E construída uma secção a uma antiga escola, por forma a poder formar um grupo escolar: Travessa de Santa Quitéria, com projeto de Júlio do Nascimento Cascais, João Araújo e Luís Fernandes Pinto.

Em síntese

Como podemos observar, enquanto no resto do país se construíam escolas primárias de gosto tradicionalista, em Lisboa — ao abrigo do mesmo programa construtivo e ao mesmo tempo que se erguiam outras de cariz historicista (sobretudo as dos Bairros de Casas Económicas) — a autarquia promove a construção de vinte e um edifícios de feição moderna (se excetuarmos os cinco iniciais), encomendados a alguns dos grandes nomes da Arquitetura Moderna em Portugal e contando com contributos artísticos (sobretudo de escultura e de azulejo) plenamente atualizados e concebidos para o efeito. De entre estes grupos escolares pela sua qualidade arquitetónica merecem atenção especial os dois projetados por Ruy Jervis de Athouguia para Alvalade, assim como os dois da autoria da dupla Victor Palla e Joaquim Bento de Almeida, para o Vale Escuro e Olivais Norte.

Paula Tereno 2016

Clique aqui para consultar alguma biliografia essencial sobre este tema.

[1] Criada pelo Decreto-Lei n.º 16791, de 25 de abril de 1929.

[2] Reproduzido na íntegra como anexo de Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Muitos Anos de Escolas. Edifícios para o Ensino Infantil e Primário anos 40-anos 70. Lisboa: DGEE, 1985, vol. 2, pp. 317-325.

[3] Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Ob. cit. Lisboa: DGEE, 1985, vol. 2 e João Pedro Frazão Silva FÉTEIRA — O Plano dos Centenários as Escolas Primárias (1941-1956). Lisboa: s. n., 2013, dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

[4] De entre as quais se pode destacar pela sua importância, as seguintes: a supressão do ensino pré-primário (considerado como responsabilidade obrigatória da família); a revisão do currículo escolar (que passa para três anos apenas, engloba a introdução do canto coral e retira a educação artística); a introdução do livro único obrigatório; a obrigatoriedade da existência do crucifixo e da fotografia do presidente do Conselho atrás da secretária do professor; a obrigatoriedade de inscrição na recém-criada Mocidade Portuguesa; a criação da Obra das Mães para a Educação Nacional (instituição que ficaria com a responsabilidade de supervisionar o ministrar do ensino infantil), mais tarde seria esta instituição a ocupar-se da gestão das cantinas escolares que surgem como complemento ao edifício escolar; a extinção do ensino gratuito para todos aqueles que não fossem comprovadamente pobres e a criação de bolsas de estudo para os muito pobres e muito bem dotados moral e intelectualmente; a criação de postos escolares nas povoações mais pequenas, sendo aí o ensino ministrado por regentes primários; e a introdução do regime de separação de sexos (Lei n.º 1941, de 11 de abril de 1936, Decreto-Lei n.º 26611 de 19 de maio de 1936, Decreto n.º 26893, de 15 de agosto de 1936, Decreto-Lei n.º 27279, de 27 de novembro de 1936 Decreto n.º 27603 de 20 de março de 1937 e Lei n.º 1969 de 20 de maio de 1938).

[5] Decreto-Lei n.º 29011, de 19 de setembro de 1938.

[6] À tarefa de adaptação dos projetos regionalizados terão sido alheios os arquitetos que os haviam elaborado (Rogério de Azevedo e Raul Lino). As principais alterações surgem, interiormente, pela necessidade de duplicação de espaços, germinando os edifícios escolares em dois imóveis geminados, e, desta forma, permitir a separação de sexos. Exteriormente, por necessidades de contenção orçamental de um programa construtivo lançado em tempo de guerra, são removidos das fachadas, floreiras, taipais em madeira, beirados, cantarias decorativas, etc.

[7] A qual seria depois fixada pelo despacho de nomeação publicado na Portaria do Ministério da Educação Nacional de 5 de setembro, e que seria composta pelo diretor-geral do Ensino Primário, Manuel Cristiano de Sousa, que a preside, e, como vogais, o diretor-geral da Assistência, Vítor Manuel Paixão, e o engenheiro chefe da Repartição de Obras Públicas da DGEMN, Fernando Galvão Jácome de Castro.

[8] Conforme o disposto na Lei n.º 1969, de 20 de maio de 1938.

[9] Filomena BEJA; Júlia SERRA; Estella MACHÁS; Isabel SALDANHA — Ob. cit, vol. 2, p. 42.

[10] Designação pela qual ficou conhecido o estilo desenvolvido por uma corrente de arquitetos que, já desde o início do século XX, procurava criar uma arquitetura "genuinamente portuguesa", utilizando as características modernistas da engenharia, disfarçadas por uma mistura de elementos estéticos exteriores retirados da arquitetura portuguesa dos séculos XVII e XVIII e das casas tradicionais das várias regiões de Portugal, e que se popularizou como estilo nacional imposto aos programas públicos, sobretudo após a Exposição do Mundo Português, em 1940. Foi, no entanto, duramente atacado por um grande número de arquitetos, que o acusaram de ser provinciano e desprovido de imaginação, e que o passaram a designar por Português Suave, adotando o nome de uma marca de cigarros.

[11] Das oito células de Alvalade, apenas nas 3 e 5 não foi edificada nenhuma escola primária, sendo nestas que se encontram os antigos Liceus Nacionais Rainha D. Leonor (célula 3, construído como liceu feminino) e Padre António Vieira (célula 5, construído como liceu masculino).

[12] Mesmo após a revisão do projeto-tipo e o desenvolvimento do Novo Plano dos Centenários, estes edifícios, embora com fachadas ainda mais simplificadas e já mais distantes do chamado “Português Suave” que marcara a produção arquitetónica nacional dos anos de 1940, mantém-se próximas deste.

[13] Câmara Municipal de Lisboa, Direção dos Serviços de Urbanização e Obras, 1.ª Repartição — Urbanização e Expropriações, Escolas e Centros Sociais.

Tipologia

Arquitetura educativa

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